Como diz o ditado: “se você quer saber para onde você vai,
você precisa saber de onde você vem”. Por isso, para se estudar o adestramento
de hoje, é preciso saber sua história e sua tradição. Faremos isso em vários capítulos, e eis aqui o primeiro:
Os tempos mais
remotos da equitação
O trabalho mais antigo de literatura equestre é “A arte da
equitação”, escrito pelo historiador grego Xenofonte, que morreu por volta de
350 a.C. As obras escritas por Xenofonte tratam basicamente de treinamento de
cavalos para guerras e longas viagens. No entanto, elas foram bastante
inovadoras à época por descreverem como transformar os cavalos em ágeis parceiros
de batalha, destacando que elas defendem uma abordagem humana de paciência para
treiná-los, além de valorizarem a beleza do cavalo. Vale citar Xenofonte: “Tudo
o que é forçado e castigado, não pode nunca ser bonito”.
No primeiro ano depois de Cristo, nasceu Lucius Flavius
Arrianus. Ele escreveu o manual de cavalaria romana, intitulado “Ars Tactica”
(A arte da equitação, em latim). Este é o único livro desse tipo a sobreviver a
esta era. O livro apresenta vários conceitos importantes de adestramento, cada
um com um objetivo de sucesso em batalhas.
Depois do colapso do Império Romano, meios mais humanos de
tratamentos foram desenvolvidos na ginástica de treinamento de cavalos atletas
para vários propósitos, mas se referiam basicamente à equitação clássica.
Na Idade Média, os cavalos eram usados, principalmente, para
transporte e para a guerra, e quase nada de literatura sobre equitação foi
produzida na época.
Nos tempos da Renascença
Na Renascença, o interesse pelos estudos equinos ressurgiu,
e em consequência disso, sugiram as diversas e notáveis escolas. Os nobres
passaram a se divertir com passeios a cavalo e com o treinamento de cavalos em
níveis atléticos raros, incluindo vários feitos espetaculares de ginástica. Isto
se refere à equitação realizada, geralmente, em arenas fechadas e cobertas,
chamadas de “escolas”. Essa prática, também conhecida como alta escola de
equitação, foi considerada como um passatempo refinado, gentil, semelhante à
arte ou à música. Os nobres passaram a pratica-la nas recém-criadas escolas de
equitação clássica (também conhecidas como escolas de arte equestre), e
passaram a se entreter com as apresentações de adestramento da alta escola. Haute école - le dressage classique du
cheval, ou l´Art Equestre[1].
A Academia Real de Arte Equestre, fundada em 1420 pelo Rei
Duarte, em Lisboa, Portugal, foi a primeira escola de adestramento clássico do
mundo. Depois de sua destruição em tempos de guerra, ela foi restaurada e
reinaugurada em 1979.
Em meados de 1500, a Escola de Nápoles, na Itália, foi
fundada por Federico Grisone, autor do livro “Gli ordini di cavalcare” (As
ordens para cavalgar). Apesar de Grisone ser vastamente mal visto atualmente
por ter aprovado o uso de bridões severamente fortes e outros métodos
considerados desumanos pelos padrões modernos, seu livro é reconhecido como o
primeiro a estabelecer um sistema para treinar um cavalo até os mais altos
níveis de adestramento.
O Duke de Hapsburg levou éguas tordilhas ibéricas (da raça
espanhola para trabalhos de alta escola) para cruzar com seu garanhão em
Lipizza (Áustria), e em 1580, e assim nasceu a famosa raça lipizzane. A Alta
Escola Espanhola de Viena, nomeada assim devido à origem espanhola do cavalo
lipizzane, foi fundada em 1572, e até hoje ainda é o lar dos garanhões
lipizzanes. Os “garanhões tordilhos dançarinos”, dos filmes da Disney, são os mais
famosos embaixadores do adestramento em sua pista de adestramento ornamentada com
candelabros, onde os garanhões treinam e se apresentam regularmente, são as
atrações preferidas pelos turistas que vão à Viena.
Ao final dos anos de 1600, Luís XIII da França e seu filho,
Luís XIV, construíram os palácios de Versalhes, com o maior esplendor do mundo.
Conhecido por nunca deixar as coisas pela metade, Luís XIV fez com que a Escola
de Versalhes se tornasse o centro equestre mais fino de toda a França. Para
entretenimento, ele criou o quadrilles,
uma coreografia com quatro conjuntos de cavalo e cavaleiro, o dressage extravaganzas, conhecido hoje
como carrossel (carousels), e encenou
batalhas simuladas e outras atrações equestres de alto nível.
O mais importante, pelo menos para o adestramento moderno, é
que Versalhes é o lar do mestre de cavalaria (écuyer), François Robishon de La Guérinière. Conhecido como o pai
da equitação moderna, La Guérinière desenvolveu e refinou vários movimentos e
conceitos notáveis do adestramento, e, em 1733, escreveu sua obra-prima, “École de
cavalarie”, que muitos entusiastas do adestramento moderno consideram a obra mais importante da literatura equestre.
Ensinamentos equestres se espalharam por toda a Europa e
acabaram chegando na Inglaterra, onde em 1743, William Cavendish, o Duque de
Newcastle, escreveu “A general system of horsemanship”, que soma a maioria das
teorias do período Barroco, quando o adestramento se desenvolveu como arte.
Hoje, existem várias escolas famosas de equitação, além da
Escola Espanhola de Viena e a Academia Real de Arte Equestre. A École National d’Équitation, em Saumur, França, fundada no final dos anos de 1500 e lar do famoso Cadre Noir e da antiga Escola de Cavalaria Francesa, suplantaram
Versalhes como sede da equitação clássica francesa. A Academia Real de Andaluzia de
Arte Equestre, em Jerez, Espanha, foi construída com base na
tradição da exibição da haute école,
que data dos anos de 1600. O Centro Alemão de Treinamento Equestre Olímpico, em
Warendorf, dirigido pela Federação Nacional Equestre Alemã, é uma meca para
muitos competidores de ponta do adestramento atual. O Centro Educacional de
Adestramento Sueco, em Strömsholm, também goza de reputação mundial como um
centro de treinamento de ponta.
Um notável mestre do adestramento francês do século XIX, François
Baucher, nascido em Versalles (1796-1873), definiu haute école como
[...]
todo trabalho feito em duas, três ou quatro pistas, em passo, trote e galope,
em linha ou em curvas, com contato ou em reunião, além de mudanças pé, em
formação de oito figuras, piaffe etc.
Os cavalos que executam todas essas figuras com precisão são chamados cavalos
inteligentes, cavalos de estudo ou cavalos de alta escola. Na alta escola, o
cavaleiro usa de todo o potencial físico, mental e moral do cavalo. Por meio dos
exercícios difíceis que se somam, o cavaleiro aperfeiçoa a flexibilidade e o
equilíbrio de seu cavalo; pela continuidade de suas ações, ele faz conhecer sua
influência sobre seu cavalo e como ele o domina, dominação esta que não tem nada de
revoltante para o cavalo, uma vez que, longe de o degradar, ele aumenta seu
orgulho natural pelas poses mais nobres e graciosas.[2]
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