domingo, 5 de abril de 2015

História do adestramento - capítulo 1

Como diz o ditado: “se você quer saber para onde você vai, você precisa saber de onde você vem”. Por isso, para se estudar o adestramento de hoje, é preciso saber sua história e sua tradição. Faremos isso em vários capítulos, e eis aqui o primeiro:

Os tempos mais remotos da equitação

O trabalho mais antigo de literatura equestre é “A arte da equitação”, escrito pelo historiador grego Xenofonte, que morreu por volta de 350 a.C. As obras escritas por Xenofonte tratam basicamente de treinamento de cavalos para guerras e longas viagens. No entanto, elas foram bastante inovadoras à época por descreverem como transformar os cavalos em ágeis parceiros de batalha, destacando que elas defendem uma abordagem humana de paciência para treiná-los, além de valorizarem a beleza do cavalo. Vale citar Xenofonte: “Tudo o que é forçado e castigado, não pode nunca ser bonito”.

No primeiro ano depois de Cristo, nasceu Lucius Flavius Arrianus. Ele escreveu o manual de cavalaria romana, intitulado “Ars Tactica” (A arte da equitação, em latim). Este é o único livro desse tipo a sobreviver a esta era. O livro apresenta vários conceitos importantes de adestramento, cada um com um objetivo de sucesso em batalhas.

Depois do colapso do Império Romano, meios mais humanos de tratamentos foram desenvolvidos na ginástica de treinamento de cavalos atletas para vários propósitos, mas se referiam basicamente à equitação clássica.

Na Idade Média, os cavalos eram usados, principalmente, para transporte e para a guerra, e quase nada de literatura sobre equitação foi produzida na época.

Nos tempos da Renascença

Na Renascença, o interesse pelos estudos equinos ressurgiu, e em consequência disso, sugiram as diversas e notáveis escolas. Os nobres passaram a se divertir com passeios a cavalo e com o treinamento de cavalos em níveis atléticos raros, incluindo vários feitos espetaculares de ginástica. Isto se refere à equitação realizada, geralmente, em arenas fechadas e cobertas, chamadas de “escolas”. Essa prática, também conhecida como alta escola de equitação, foi considerada como um passatempo refinado, gentil, semelhante à arte ou à música. Os nobres passaram a pratica-la nas recém-criadas escolas de equitação clássica (também conhecidas como escolas de arte equestre), e passaram a se entreter com as apresentações de adestramento da alta escola. Haute école - le dressage classique du cheval, ou l´Art Equestre[1].

A Academia Real de Arte Equestre, fundada em 1420 pelo Rei Duarte, em Lisboa, Portugal, foi a primeira escola de adestramento clássico do mundo. Depois de sua destruição em tempos de guerra, ela foi restaurada e reinaugurada em 1979.

Em meados de 1500, a Escola de Nápoles, na Itália, foi fundada por Federico Grisone, autor do livro “Gli ordini di cavalcare” (As ordens para cavalgar). Apesar de Grisone ser vastamente mal visto atualmente por ter aprovado o uso de bridões severamente fortes e outros métodos considerados desumanos pelos padrões modernos, seu livro é reconhecido como o primeiro a estabelecer um sistema para treinar um cavalo até os mais altos níveis de adestramento.

O Duke de Hapsburg levou éguas tordilhas ibéricas (da raça espanhola para trabalhos de alta escola) para cruzar com seu garanhão em Lipizza (Áustria), e em 1580, e assim nasceu a famosa raça lipizzane. A Alta Escola Espanhola de Viena, nomeada assim devido à origem espanhola do cavalo lipizzane, foi fundada em 1572, e até hoje ainda é o lar dos garanhões lipizzanes. Os “garanhões tordilhos dançarinos”, dos filmes da Disney, são os mais famosos embaixadores do adestramento em sua pista de adestramento ornamentada com candelabros, onde os garanhões treinam e se apresentam regularmente, são as atrações preferidas pelos turistas que vão à Viena.

Ao final dos anos de 1600, Luís XIII da França e seu filho, Luís XIV, construíram os palácios de Versalhes, com o maior esplendor do mundo. Conhecido por nunca deixar as coisas pela metade, Luís XIV fez com que a Escola de Versalhes se tornasse o centro equestre mais fino de toda a França. Para entretenimento, ele criou o quadrilles, uma coreografia com quatro conjuntos de cavalo e cavaleiro, o dressage extravaganzas, conhecido hoje como carrossel (carousels), e encenou batalhas simuladas e outras atrações equestres de alto nível.

O mais importante, pelo menos para o adestramento moderno, é que Versalhes é o lar do mestre de cavalaria (écuyer), François Robishon de La Guérinière. Conhecido como o pai da equitação moderna, La Guérinière desenvolveu e refinou vários movimentos e conceitos notáveis do adestramento, e, em 1733, escreveu sua obra-prima, “École de cavalarie”, que muitos entusiastas do adestramento moderno consideram a obra mais importante da literatura equestre.

Ensinamentos equestres se espalharam por toda a Europa e acabaram chegando na Inglaterra, onde em 1743, William Cavendish, o Duque de Newcastle, escreveu “A general system of horsemanship”, que soma a maioria das teorias do período Barroco, quando o adestramento se desenvolveu como arte.

Hoje, existem várias escolas famosas de equitação, além da Escola Espanhola de Viena e a Academia Real de Arte Equestre. A École National d’Équitation, em Saumur, França, fundada no final dos anos de 1500 e lar do famoso Cadre Noir e da antiga Escola de Cavalaria Francesa, suplantaram Versalhes como sede da equitação clássica francesa. A Academia Real de Andaluzia de Arte Equestre, em Jerez, Espanha, foi construída com base na tradição da exibição da haute école, que data dos anos de 1600. O Centro Alemão de Treinamento Equestre Olímpico, em Warendorf, dirigido pela Federação Nacional Equestre Alemã, é uma meca para muitos competidores de ponta do adestramento atual. O Centro Educacional de Adestramento Sueco, em Strömsholm, também goza de reputação mundial como um centro de treinamento de ponta.

Um notável mestre do adestramento francês do século XIX, François Baucher, nascido em Versalles (1796-1873), definiu haute école como
[...] todo trabalho feito em duas, três ou quatro pistas, em passo, trote e galope, em linha ou em curvas, com contato ou em reunião, além de mudanças pé, em formação de oito figuras, piaffe etc. Os cavalos que executam todas essas figuras com precisão são chamados cavalos inteligentes, cavalos de estudo ou cavalos de alta escola. Na alta escola, o cavaleiro usa de todo o potencial físico, mental e moral do cavalo. Por meio dos exercícios difíceis que se somam, o cavaleiro aperfeiçoa a flexibilidade e o equilíbrio de seu cavalo; pela continuidade de suas ações, ele faz conhecer sua influência sobre seu cavalo e como ele o domina, dominação esta que não tem nada de revoltante para o cavalo, uma vez que, longe de o degradar, ele aumenta seu orgulho natural pelas poses mais nobres e graciosas.[2]

Não percam o próximo capítulo!





[1] Alta escola – o treinamento clássico do cavalo, a arte equestre.
[2] GUENARD, Laurence G. L’équitation pédagogique. Disponível em: < http://equipeda.info/basse-haute-ecole.html>.

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